terça-feira, 17 de junho de 2014

Findo começo


Não resistiu às facadas que rasgaram sua pele e músculos, para perfurar depois suas vísceras, então quase falidas. Tentou esquivar-se das investidas ferozes daqueles
animais, mas eles eram muitos e estavam determinados a matá-lo. O fim da narrativa, que esvaiu-se aos poucos por anos recentes, fora anunciado.

Para onde olhava não via saída e, caso houvesse, não haveria forças para fugir. Sentiu um calafrio. Aquele arrepio mortal que supomos sentir quando chega a hora. 

O chão encharcado no entorno roubava das folhas e gravetos
o som que poderia ter servido de alerta. Cinco bandidos espreitavam a velha casa, rente à suas paredes em ruínas. O calor absurdo de um dia inteiro de verão trouxe uma chuva torrencial que logo cessou. 

Moralmente ele já estava morto. Se fosse questionado, certamente não seria capaz citar seus dados mais elementares, dada a frequência de terríveis lapsos de memória. E, aplacado por uma paralisante culpa, provavelmente não poderia sequer dizer o nome de seus filhos.

Deixou-se amortecer, o corpo abandonado em um sofá cheio de percevejos. Fora a última dose, comprada com os últimos recursos, alcançados em seu último furto.

Eles chegaram a pé. O céu azul brilhava tanto que a luz era quase insuportável. As ruas desertas de um bairro industrial abandonado, repleto de construções imponentes e sem vida, conduziam a imaginação do mais cético dos visitantes a um universo assombrado.

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