terça-feira, 16 de junho de 2015

Passagem para Córdoba

Advertência: Na crônica a seguir faço uso de uma palavra divertida, melódica e dissílaba, a saber, puta. Tal advertência pede um esclarecimento: Ao consultar o “Meu Dicionário Soberano de Português” verifiquei que precisamente como Sra. está para senhora, puta está para prostituta, que aliás não passa de uma palavra sem graça, cacofônica e polissílaba. Portanto não entre em choque, a preferência é meramente estética, diferentemente do que fiz na crônica “O Cartaz”.



Passagem para Córdoba

— Então, o que você faz pra ganhar a vida? — Perguntei um tanto incomodado pelo silêncio patagônico que tentava
instalar-se naquela minúscula sala de embarque.
E ela, muito sorridente: — Ah, sou modelo, atriz e...
— Nossa! Modelo... atriz... e ainda consegue exercer alguma outra atividade?!? — Interrompi com minha típica grosseria portenha disfarçada de curiosidade.
— Claro! Na verdade ganho a vida mesmo é como stripper, tirand...
Interrompi a moça novamente: — Hmm, você se refere à danças exóticas e performances teatrais?
— Não moço, sou puta mesmo. Tiro a roupa no quarto antes de deitar com o cliente. Este é o meu show.
Já era tarde, mas passei a preferir o silêncio patagônico. Não pela revelação que a moça acabara de fazer e sim por me sentir constrangido com aquilo. E diante de tamanha naturalidade!
O sistema de som anunciou em voz levemente picotada: “Senhores passageiros com destino a Córdoba, queiram por gentileza comparecer ao portão de embarque tendo à mão sua identificação”.
Era a deixa para encerrar a conversa mas decidi prosseguir mesmo que vacilante: — E o que a realiza mais?
E ela, ao perceber meu desconserto disparou: — Dar eu dou, sabe moço, mas me realizo mesmo nessa tal performance teatral que você falou aí.

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