Tentou atravessar a sala sem ser notada. Em vão. Aos olhos rápidos da tia Clarice, nada se via livre. Mesmo que estivessem mergulhados em pontos e fios e tramas
e agulhas de todo calibre, lá estavam eles: os grandes olhos azuis mais atentos do mundo.
Viviam as duas naquele casarão colonial cravejado de janelas enormes que davam
entrada para os quatro ventos. A construção secular sustentava os passos de seus habitantes com um piso
de madeira nobre, que reclamava à raras pisadas mais firmes rangendo; possuía um porão
quase maior do que o próprio corpo, a sepultar segredos em sua densa penumbra; e uma varanda que a cercava fazendo ver o
grande pomar, a criação de galinhas e patos, o jardim lindamente
confuso de tantas espécies, e o caminho estreito, sinuoso e proibido para a
rua.
A menina era cheia de mistérios que sucumbiam todos às abordagens certeiras da
tia Clarice. Elas gastavam tempo com esses jogos. Uma a criar formas
de burlar a vigilância e outra a desvendar todas elas.
Desta vez era um papelzinho amassado, levemente umedecido pelo suor das
mãozinhas nervosas. "Deixa eu ver isso...vem cá, vem. A tia já sabe que
escondes algo!". Aproximou-se simulando surpresa e abriu a mão demonstrando
um sentimento incerto, misto de fracasso e gratidão. As letras bem treinadas em
longas tardes de caligrafia revelavam, desta vez, o que a tia Clarice já sabia:
"Titia, eu te amo."
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