sexta-feira, 24 de junho de 2016

Um outro ângulo


(Plano aberto; cena de bar a partir da calçada; sem trilha, somente o silêncio de uma cidade pacata transformando-se em burburinho enquanto
a imagem fecha nos quatro únicos clientes da casa, àquela hora escura; locução em off)

Dia desses - expressão que parece ser a correspondente atua para “era uma vez”... Talvez... Estava eu metido numa boa conversa de balcão – duas das coisas que mais aprecio nesse mundo – quando ouvi de uma amiga o resumo de um filme tão inusitado quanto instigante. Poupando palavras, o enredo tratava a liberdade enquanto labirinto, desses que nos leva à loucura ou à morte, por fim - isso é o que eu lembro ou entendi. Desde então, esta mosca, digo ideia, tem rondado a minha cabeça uma ou outra vez, sem pousar.

(Corte seco para o seu banheiro. A sequência se desenrola tendo como trilha acordes dissonantes, como aqueles da Tropicália, aquela do Caetano, aquele que devoraria DiCaprio)

A pia está com água pela metade. Limpa. Estar próximo à pia a contemplá-la quase que sem piscar é uma atitude normal, considere assim. Então você percebe, com seu olhar atento e sua mente concentrada, uma formiga dessas minúsculas tentando chegar à margem e enfim escapar àquele oceano. Neste momento você faz o primeiro movimento, em vários minutos, e apressa-se em tirar a tampa do ralo. Afinal você terá, com esta, cumprido a má ação do dia.

(Fecha no seu olhar - indescritível; “fade out” lento; “fade in” rápido para o ponto de vista da formiga)

O banheiro gira. Lentamente cada elemento vira um borrão, que vira um cone multicolorido enquanto outro cone se forma, este abaixo dela. Em espiral a formiga vai se afastando da margem bem mais depressa do que a margem se aproxima dela. Nestas frações de segundos a ilusão toma de assalto a formiga que julga – sim, esta julga – ter tido fim o seu revés.

(Basta! O filme era sobre outro filme! Mas o tema... ah, liberdade!)

Ah... a liberdade. Este chapéu mexicano que pode findar em redemoinho. A mosca rondando, a formiga girando e a cabeça da Elis Regina rodando por causa do uísque com guaraná que havia estado em seu copo.

E quase todos foram felizes, mas nem sempre.

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