terça-feira, 24 de junho de 2014

Amigas


Avancei três passos em direção ao toalete e detive-me ao perceber uma figura familiar no fundo do salão principal, próxima ao balcão do bar, à meia luz. Pensei em recuar 
mas a impressão de ter sido vista fez-me prosseguir.

Em momentos como este, quando a única certeza é a dúvida, a melhor opção é obedecer aos instintos. Qualquer vacilo, se transparecido, acaba gerando um constrangimento difícil de contornar. Ainda mais quando se tem telhado de vidro! Aí mesmo é que torna-se mister permanecer impassível.


Enquanto andava lembrei-me de um dos pilares do budismo - se bem que nem em hipótese, tanto a situação, quanto os meus hábitos mais recentes, serviriam de base para uma reflexão dessa natureza - "o caminho do meio"...


À medida em que aproximava-me do inevitável, já com o andar mais compassado e o olhar ligeiramente resignado, tudo para encobrir um quase ataque de pânico, percebi uma certa agitação naquele vulto que, aos poucos, ia revelando-se para confirmar minha suspeita.

"Que bom vê-la aqui! Como tem passado? E o maridão?!? Soube que fizeram uma segunda lua-de-mel... hmm Paris... Voilà!" Imaginei que seria alvo de sua costumeira bisbilhotice, mas isso já estava tomando forma de um interrogatório! "Desculpa, querida, saí da mesa apenas para retocar a maquiagem. Não posso me demorar. 
Detesto deixar um cliente esperando." E, com delicioso cinismo e já afastando-me, completei: "Estranho ele não ter te contado... Mandei-o embora logo depois que descobri o caso que ele estava tendo contigo... Au revoir!"

Imagem: Lasar Segall

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