terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ângulos


Seu reflexo lhe era agradável. Achava e isso pronto. O acentuado estrabismo e o nariz ligeiramente torto,
resultado de um acidente doméstico, não chegavam a deixar-lhe em dúvida, pois eram apenas sinais que o diferenciavam.
Não fora sempre assim. Há algum tempo sentia-se um desafortunado, alguém a quem Deus não quis dedicar-lhe tempo aos acabamentos. As orelhas de abano, minto, era apenas uma, a esquerda era incrivelmente perfeita, o que de certa forma servia para salientar a diferença, enfim, as orelhas sempre prontas para os apelidos. 

"Ai, ai, os apelidos..." Foram tantos que para listá-los seria necessário um exército de agentes do Senso. Se bem que, de uns tempos pra cá, desde que começou a perceber sua beleza, aquilo já não tinha mais a menor importância. Na verdade soavam-lhe agora como a mais pura inveja.

2 comentários:

  1. Os teus contos tem uma expressividade enorme! Dizem tanto, com tão poucas palavras! Você consegue dar dimensão aos personagens, que eles continuam vivendo ainda por um bom tempo na gente, depois que terminamos de ler...

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    1. Val, você foi uma das pessoas que primeiro reconheceram meus textos como tendo (alguma) qualidade, e que incentivaram que eu continuasse. Isso eu jamais vou esquecer.
      Tu sabes que eu te amo! (e não é só por isso)

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