sábado, 14 de setembro de 2013

Mirante


Orgulhosa por acordar cedo, até mesmo antes do trinar programado, surgia diariamente por trás da cortina, como

que se a vizinhança quieta a aguardasse àquela hora.

Seria preciso mais do que despertadores adiantados para que alguém notasse aquela mulher triste.


Sem plateia sentia-se então desprezada e voltava ao seu mundo limitado por vidraças. Vidraças a mostrarem a vida dos que acordavam um pouco mais tarde e lhe atrasavam a vigilância fútil. 

Imperceptível aos olhos alheios, o que viam os seus era meticulosamente anotado em cadernetas de segunda-mão, com tinta mais escura.

A que horas acordavam, dormiam, saiam e chegavam; se sós ou se acompanhados eles viviam ou passavam algumas horas; de mãos livres, carregando compras ou de braços dados; como cumprimentavam-se quando seus olhos em olhares vagos se encontravam.

Tudo anotado, sobre a vida dos que acordavam um pouco mais tarde.

Causava-lhe frisson o anotar tudo o que via. Vivia a olhar pela vidraça buscando personagens e atos. De excitante a frustrante em segundos, por não saber ao certo a utilidade daquele expediente. Mas pontuar detalhes improváveis, ah, isso lhe dava prazer de fato.

Um dia acabaria usando aquilo tudo... Talvez na investigação de um crime! Estaria então à mão seu esmerado memorial. Nunca se sabe... Melhor pecar pelo excesso do que pela falta.
Outra página.

2 comentários: